A Aplicação da Reforma Trabalhista

A Aplicação da Reforma Trabalhista

A APLICAÇÃO DA REFORMA TRABALHISTA

Medida Provisória n. 808/2017 e as interpretações dos Enunciados da ANAMATRA e TRT4.

Por Geneci Aparecida da Rosa – OAB/RS 82.609

A Lei 13.467 – também conhecida como Reforma Trabalhista – foi publicada em 13 de julho de 2017, e passou a viger em 13 de novembro de 2017. A reforma é bastante polêmica, desde sua proposição, passando pelo processo legislativo que levou à publicação da Lei – pois poucos acreditavam que ela fosse efetivamente publicada, na medida em que altera substancialmente o direito do trabalho em questões pacificadas há muito pelo Judiciário trabalhista. Tanto é assim que logo após sua vigência foi publicada a Medida Provisória 808/2017 alterando a lei da reforma – até sua efetiva aplicação.

Além da Medida Provisória, tão logo publicada a Lei da Reforma Trabalhista fortaleceu-se o movimento de contenção à aplicação da norma, culminando na edição de enunciados pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) e pelos Tribunais Regionais do Trabalho interpretando a aplicação, e até alterando a Lei da Reforma trabalhista.

Da Aplicação Da Norma:

A Lei 13.467 tem natureza mista, pois alterou questões de direito material e de direito processual. Por esta razão, se aplicam – em tese – duas regras para incidência da norma: a de direito material, e a de direito processual. As alterações em direito material têm aplicação imediata com a vigência da lei. Já as de direito processual incidem para os atos praticados a partir de sua vigência, no momento da prática do ato processual.

Entretanto, considerando as inúmeras ações ajuizadas e em andamento antes da vigência da reforma, há um movimento regulando a aplicação da lei.

A MP 808/2017 definiu que se aplica a todos os contratos e trabalho vigentes: 

Art. 2º O disposto na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes. (MP 808/2017)

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região também assim entendeu:

DIREITO MATERIAL DO TRABALHO. LEI NOVA. TEORIA DO EFEITO IMEDIATO.

   Dada a qualidade de ordem pública em que se fundam as disposições trabalhistas e a natureza de trato sucessivo do contrato de trabalho, a Lei 13.467/17 é aplicável de imediato aos contratos de trabalho em curso à data de sua vigência, de forma não retroativa, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, nos termos do artigo 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, e observado o artigo 468 da CLT.[1]

A ANAMATRA, por seu turno, editou inúmeros enunciados[2] sobre a interpretação e aplicação da reforma trabalhista.  Os primeiros deles tratam da constitucionalidade da Lei e da sua aplicação pela magistratura do trabalho. Tratam, também, das fontes, fundamentos e hermenêutica do direito do trabalho:

ENUNCIADO 1:

   CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA, AUSÊNCIA DE CONSULTA TRIPARTITE E DE CONSULTA PRÉVIA ÀS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS I. REFORMA TRABALHISTA. LEI 13.467/2017. INCOMPATIBILIDADE VERTICAL COM AS CONVENÇÕES DA OIT. AUSÊNCIA DE CONSULTA TRIPARTITE. OFENSA À CONVENÇÃO 144 DA OIT. II. AUSÊNCIA DE CONSULTA PRÉVIA ÀS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHADORES. OFENSA À CONVENÇÃO 154 DA OIT, BEM COMO AOS VERBETES 1075, 1081 E 1082 DO COMITÊ DE LIBERDADE SINDICAL DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA OIT.

ENUNCIADO 2:

   INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI 13.467/2017 OS JUÍZES DO TRABALHO, À MANEIRA DE TODOS OS DEMAIS MAGISTRADOS, EM TODOS OS RAMOS DO JUDICIÁRIO, DEVEM CUMPRIR E FAZER CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO E AS LEIS, O QUE IMPORTA NO EXERCÍCIO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E NO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS, BEM COMO NO USO DE TODOS OS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DISPONÍVEIS. NESSA MEDIDA: I. REPUTA-SE AUTORITÁRIA E ANTIRREPUBLICANA TODA AÇÃO POLÍTICA, MIDIÁTICA, ADMINISTRATIVA OU CORREICIONAL QUE PRETENDER IMPUTAR AO JUIZ DO TRABALHO O “DEVER” DE INTERPRETAR A LEI 13.467/2017 DE MODO EXCLUSIVAMENTE LITERAL/GRAMATICAL; II. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL É ATIVIDADE QUE TEM POR ESCOPO O DESVELAMENTO DO SENTIDO E DO ALCANCE DA LEI TRABALHISTA. É FUNÇÃO PRIMORDIAL DO PODER JUDICIÁRIO TRABALHISTA JULGAR AS RELAÇÕES DE TRABALHO E DIZER O DIREITO NO CASO CONCRETO, OBSERVANDO O OBJETIVO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE CONSTRUIR UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA E IGUALITÁRIA. EXEGESE DOS ARTIGOS 1º, 2º, 3º, 5º, INCISO XXXV, 60 E 93, IX E 114 DA CRFB; III. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º E DO § 3º DO ARTIGO 8º DA CLT E DO ARTIGO 611-A, §1º, DA CLT. SERÁ INCONSTITUCIONAL QUALQUER NORMA QUE COLIME RESTRINGIR A FUNÇÃO JUDICIAL DE INTERPRETAÇÃO DA LEI OU  IMUNIZAR O CONTEÚDO DOS ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO DA APRECIAÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO, INCLUSIVE QUANTO À SUA CONSTITUCIONALIDADE, CONVENCIONALIDADE, LEGALIDADE E CONFORMIDADE COM A ORDEM PÚBLICA SOCIAL. NÃO SE ADMITE QUALQUER INTERPRETAÇÃO QUE POSSA ELIDIR A GARANTIA DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, ADEMAIS, POR OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 114, I, DA CF/88 E POR INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DO ACESSO A JUSTIÇA E DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL.

ENUNCIADO 3:

   FONTES DO DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO NA LEI 13.467/2017 TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES. A TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES É APLICÁVEL À INTERPRETAÇÃO DA NOVA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.

ENUNCIADO 4:

   FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E HERMENÊUTICA DO DIREITO DO TRABALHO. LEI 13.467/2017 A LEI 13.467/2017, DA REFORMA TRABALHISTA, NÃO AFETOU OS FUNDAMENTOS DO DIREITO DO TRABALHO POSITIVADOS NA CLT (ART. 8º), BEM COMO OS PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO (TÍTULOS II A IV), DA PRIMAZIA DA REALIDADE (ARTS. 3º E 442), DA IRRENUNCIABILIDADE (ARTS. 9º E 468), DA NORMA MAIS FAVORÁVEL, DA IMODIFICABILIDADE CONTRATUAL EM PREJUÍZO DO TRABALHADOR (ART. 468), DA SUPREMACIA DO CRÉDITO TRABALHISTA (ARTS. 100 DA CF E 186 DO CTN) E DOS PODERES INQUISITÓRIOS DO JUIZ DO TRABALHO (ART. 765), DENTRE OUTROS, CUJA OBSERVÂNCIA É REQUISITO PARA A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA TRABALHISTA.

A Reforma No Judiciário

Tramitam hoje no Supremo Tribunal Federal – STF – pelo menos 14 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), contra dispositivos da reforma trabalhista. Oito delas –  assinadas por confederações e federações de trabalhadores – tratam do fim da obrigatoriedade de pagamento da de pagamento da contribuição sindical. Duas delas foram ajuizadas pela Procuradoria Geral da República (PGR), e tratam sobre terceirização e assistência judiciária gratuita. Outro tema levado ao Supremo é o trabalho intermitente (Adins 5826 e 5829). Os autores são duas federações que questionam o artigo 453 e 452-A da Lei nº 13.467/2017 e a Medida Provisória (MP) nº 808, que regulamentou o tema.[3]

Sobre a contribuição sindical, há forte indícios de que as ADINS sejam julgadas procedentes, já que o STF já reconheceu, no julgamento da ADPF n. 23, que a contribuição sindical teria natureza tributária, e, por esta razão, somente poderia ser alterado por meio de Emenda Constitucional ou por Lei Complementar, e não por Lei Ordinária – como é a reforma trabalhista.

Sobre o trabalho intermitente e a prestação de serviços, como estas modalidades permitem que o trabalhador receba salário inferior ao mínimo. A discussão é que a norma que possibilita esta espécie de contratação contrariaria princípios da Constituição Federal – como isonomia e igualdade – e a Lei nº 13152, de 2015, a qual estabelece que nenhum trabalhador deve ganhar menos que um salário mínimo.

Abaixo, quadro sobre as ações em tramitação no Supremo Tribunal Federal sobre a reforma trabalhista:

 

Ações contra a reforma no STF
Autor Número Trecho questionado
Procuradoria-Geral da República ADI 5.766 Pagamento de custas
Confederação dos trabalhadores
em transporte aquaviário (Conttmaf)
ADI 5.794 Fim da contribuição sindical obrigatória
Confederação dos trabalhadores de segurança privada (Contrasp) ADI 5.806 Trabalho intermitente
Central das Entidades de Servidores Públicos (Cesp) ADI 5.810 Contribuição sindical
Confederação dos Trabalhadores de Logística ADI 5.811 Contribuição sindical
Federação dos trabalhadores de postos (Fenepospetro) ADI 5.813 Contribuição sindical
Federação dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fenattel) ADI 5.815 Contribuição sindical
Federação dos trabalhadores de postos (Fenepospetro) ADI 5.826 Trabalho intermitente
Federação dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fenattel) ADI 5.829 Trabalho intermitente
Confederação dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade (Contcop) ADI 5.850 Contribuição sindical
Confederação Nacional do Turismo ADI 5.859 Contribuição sindical
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) ADI 5.865 Contribuição sindical
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ADI 5.867 Correção de depósitos
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ADI 5.870 Limites a indenizações

 

Em suma, a Lei que alterou as normas trabalhistas (CLT e Leis esparsas) deve ser analisada e aplicada com muito cuidado pelas empresas, administradores e operadores de direito, na medida em que, sequer há unanimidade quanto à constitucionalidade de muitas das alterações e, consequentemente, a perpetuação de sua aplicação não é de certeza absoluta.

[1] Enunciados do TRT4 sobre a Reforma Trabalhista. I Jornada sobre a Reforma Trabalhista. Publicado em 10/11/2017. Disponível em https://www.trt4.jus.br/portais/media-noticia/151470/Conclus%C3%B5es%20aprovadas%20por%20magistrados%20do%20TRT4%20sobre%20a%20Lei%2013467.pdf Acesso em 25/01/2018.

[2] Enunciados da ANAMATRA sobre a Reforma Trabalhista. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Publicado em 19/10/2017. Disponível em http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados.asp . Acesso em 25/01/2018.

[3] Fonte: Notícias do STF. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/listarNoticiaStf.asp?paginaAtual=2&dataDe=&dataA=&palavraChave=reforma%20trabalhista . Acesso em 26/01/2018.

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